I

Vou à missa. Como sempre, à porta, está um homem velho, mas, no entanto, com uma filha muito pequena ao colo. Sentado num pequeno banco, com o chapéu estendido esperando um milagre que não acontece. Passa-se por ele e ninguém o vê. É transparente. Os nossos olhos não são capazes de ver o comprimento de onda da luz que aqueles dois corpos emitem.
Lá dentro (da igreja) todos são santos. Todos rezam e comungam. Cá fora, viram a cara para não verem a realidade do homem de mão estendida. A multidão de santos envolve-o, mas ninguém o olha. Está ali a estorvar a saída e a impedir a circulação. A miudinha dorme no ombro do pai. Os olhos deste erguem-se para cima e esperam, suplicantes.
Meto a mão ao bolso e descubro €1.20. Dei-lhos. Juntamente com um sorriso. Hipócrita! De que serve o sorriso? Ele não alimenta. E €1.20? Que miséria é essa? Para que serve? Para me armar em bondosa e encomendar a minha alma a Deus? Não me parece...
- Obrigado... - balbucia ele.
Fico mais descansada. Talvez sirva de alguma coisa. Talvez mais hipócritas como eu lhe dêem €1.20 e ele e a filha e sabe-se lá quem mais possam jantar alguma coisa hoje. Talvez...
Talvez a ele o dinheiro lhe faça préstimo, enquanto que a mim serviria somente para comprar chocolates e chiclets. Talvez os santos pecadores que acabaram de comungar olhem para trás e vejam...como nunca viram.